Contar histórias um ato de amor

Contar histórias é um ato de amor e desde muito cedo as crianças demonstram seu interesse pelas histórias, batendo palmas, sorrindo, sentindo as mais variadas emoções ou imitando algum personagem. Neste sentido, é fundamental para a formação da criança que ela ouça muitas histórias desde a mais tenra idade, como diz Fanny Abramovich:

“ Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias...Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor, e ser um leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descobertas e compreensão de mundo....” (1994. p.16)

O primeiro contato da criança com um texto é realizado oralmente, quando o pai, a mãe, os avós ou outra pessoa conta-lhe os mais diversos tipos de histórias. A criança passa a interagir com as histórias, acrescentam detalhes, personagens ou lembra-se de fatos que passaram despercebidos pelo contador. Essas histórias reais são fundamentais para que a criança estabeleça a sua identidade, compreenda melhor as relações familiares. Outro fato relevante é o vínculo afetivo que se estabelece entre o contador e a criança, contar e ouvir uma história aconchegada a quem se ama é compartilhar uma experiência gostosa, na descoberta do mundo das histórias e dos livros. 

Quando as crianças maiores ouvem as histórias, aprimoram a sua capacidade de imaginação, já que ouvi-las pode estimular o pensar, o desenhar, o escrever, o criar, o recriar; e neste contexto repensar seus valores, a partir das histórias ouvidas, apropriando-se de valores dos personagens para assim refletir sobre suas ações. 

No mundo de hoje, tão cheio de tecnologias, onde as informações estão tão prontas, a criança que não tiver a oportunidade de suscitar seu imaginário, e refletir sobre seus atos, seus valores, poderá no futuro, ser um indivíduo sem criticidade, pouco criativo, sem sensibilidade para compreender a sua própria realidade. 

Portanto, garantir a riqueza, a vivência narrativa desde os primeiros anos de vida da criança contribui para o desenvolvimento do seu pensamento lógico e também de sua imaginação, que segundo Vigotsky caminham juntos:

“a imaginação é um momento totalmente necessário, inseparável do pensamento realista.”. Neste sentido, o autor enfoca que na imaginação a direção da consciência tende a se afastar da realidade. Esse distanciamento da realidade através de uma história, por exemplo, é essencial para uma penetração mais profunda na própria realidade.” (1992, p.128)

Ao contar uma história, usa-se a linguagem, empresta-se a voz aos personagens do texto, é língua falada, com movimentos que certamente causarão impacto ao receptor que a ouve, abre-se portas do imaginário, e cada palavra falada ecoará fortemente e de diferentes formas na íntimo de cada ouvinte da platéia. Pois quando a história ultrapassa a obrigatoriedade do ensinamento e passa a ser prazer, ludicidade e encantamento, a mensagem ouvida se tronará mensagem decodificada e certamente aplicada. Celso Sisto expressa isto fortemente quando diz:

“Mas duvido que uma história bem contada não produza ecos no ouvinte! Ecos se prolongam para além do momento narrado. Estas marcas, visíveis e invisíveis, nem sempre se pode perceber no calor da hora. Quem ouve uma história que sempre ser atingido, de alguma forma, quer ser atingido.” (2007 pp.39-41)

Quando o adulto se dispõe de corpo e alma a contar uma história à uma criança, está despido de seus conceitos e preconceitos, mas de forma alguma poderá estar despido de seu imaginário. É mesmo impressionante como a audição de histórias por crianças, depende do seu contador. Esta relação tem que ser forte de sentimento, de cumplicidade é preciso ter comunhão entre contador e ouvinte para poder ir além do texto, oferecer com as palavras, uma brecha no texto, para a fruição das múltiplas opções da imaginação, do fantástico, é preciso causar a catarse. Então, como diz Celso Sisto:

“ A arte de contar histórias opera antes com a noção de sugestão, de esboço. Nenhum contar é definitivo e pronto e acabado. Toda história contada oralmente é antes de tudo, uma obra em processo, que precisa do outro para ser completada.” (2007 pp.39-41)

Processo este que não deve ser pontual, ele deve ser abrangente, quanto mais “outros” para ser completada, maior serão as possibilidades individuais de cada um e do grupo com um todo, pois a socialização das emoções e experimentações trará com certeza plenitude das próximas atividades em aula.

A contação de história é uma ARTE milenar, através do qual as crianças entram em contato com o conhecimento, a história escrita e oral do seu povo. Sabe-se que esta prática além de divertir, dissemina a cultura, induz a troca de experiências, evidencia a sensibilidade, permite que a criança faça reflexões sobre o mundo em que vive, ajuda na resolução de problemas internos, como o medo, a insegurança, a ansiedade, as diferenças, entre outros, pois as histórias têm o poder de romper paradigmas, que em grego “paradeigma”, significa modelo, padrão e invadir o inconsciente, possibilitando enriquecimento do mundo interior da criança, harmonizando suas aspirações particulares. Pode-se dizer que uma a narração de histórias não trata apenas de uma comunicação oral, mas sim de um contato, de uma comunicação emocional, se tornando importante para a formação ou reorganização de valores, pois, Segundo Celso Sisto:

“Essa vivência por empréstimo, a experimentação de modelos de ações e soluções apresentadas nas histórias fazem aumentar consideravelmente o repertório de conhecimento da criança sobre si e sobre o mundo. E tudo isso ajuda a formar a personalidade.” (2001)

Ao longo destes anos de prática de docente e contadora de histórias percebo que quanto mais contamos histórias às crianças, mais elas se aconchegam a nós adultos, abrem-se entre contador e ouvinte portas e canais de comunicação. Um mundo de possibilidades surge a partir deste imaginário favorecendo assim a construção da realidade, uma vez que a criança e ou adolescente pode falar, questionar, criticar ações da sua vida através da vida do personagem sem que seja necessária exposição de si mesmo.

Assim sendo, vamos povoar o mundo de contadores de histórias e conquistar ouvintes, pois a partir deles, “contadores e ouvintes” é que será reconstruída uma sociedade com mais proximidade, que voltará a ter na voz e no olhar o sentido afetivo das relações humanas.

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