Recordando o passado: Os bugres de nossa região (por Ernesto Arno Lauer) - Parte 5



Ao voltar do Caí, Lamberto encontra sua morada totalmente destruída pelas chamas; sua família desapareceu, sem deixar rastro ou evidências de fuga. O simples correr d’olhos assegurou-lhe a autoria da tragédia: os bugres, pelas flechas e outros instrumentos indígenas entre os escombros. Estas circunstâncias o induzem a acreditar em rapto dos familiares e por isso, parte em busca de ajuda e empreender incursões de resgate. 
Já entre os bugres, Valfrida e os filhos Jacob e Lucila tiveram que acompanha-los por dentro da densa floresta; primeiro foram carregados e ao depois tiveram que caminhar, sempre empurrados e vergastados pelos captores. Valfrida tentou retardar a caminhada, acreditando num pronto resgate. Foi duramente açoitada com um ramo de espinheiro e agredida no rosto. Brota o sangue e as feridas ardem como fogo. De repente, resolveu deixar vestígios, rasgando a barra da saia e espalhando pedaços do tecido ao longo do trajeto. 
As duas crianças também foram duramente castigadas, especialmente os membros inferiores. Vários cortes nos pés e pernas, deixam-nas entumecidas e ensanguentadas. Mesmo assim são continuamente empurrados e obrigados a seguir em rumo ao desconhecido. Valfrida estava certa de que o socorro logo chegaria e por isso incentivava os filhos a seguirem e não se oporem aos bugres. 
Ao entardecer chegam a uma clareira e os índios dividem-se na execução de diversas tarefas, como se tudo antes já estiveram pré-determinado. Um assentou pedras, formando uma espécie de fogão; outro esfregou um pedaço de pau seco em um pedaço de madeira, criando uma chama pela fricção. Logo surgiu o lume e depuseram nesgas de carne num braseiro, depois cobertas com ervas aromáticas. 
O cacique ficou próximo dos raptados e observou atentamente os seus pés, em cujas plantas haviam inúmeros cortes que dificultavam a caminhada. Então chamou cinco índios e lhes determinou alguma coisa. Fizeram uma nova fogueira, com muita lenha. As vítimas esperavam pelo pior. De repente, foram apanhados, deitados ao chão; erguidas as pernas, passaram a fazer diversos e dolorosas incisões na região plantar. Então apanharam a lenha em fogo e cauterizaram os inúmeros cortes. Ao depois, os pés foram cobertos com uma resina, criada pelo triturar de algumas espécies de folhas e frutos e amarradas com embira.
A dor foi lancinante; Valfrida e as crianças choravam e gritavam; receberam água fresca para tomar e, aos poucos, a dor dos ferimentos foi acalmando, até cessar completamente. Depois de comerem carne, os três dormiram calmamente sob o abrigo das árvores.
No outro dia seguiram a caminhada. Valfrida sentiu a apreensão de alguns índios e imaginou que o socorro não demoraria por chegar. Foram subindo, sempre e cada vez mais. Ao entardecer o céu escureceu, em prenúncio de um temporal. Os bugres os fizeram entrar em uma grande gruta, no local hoje conhecido como Salto Ventoso, na atual Farroupilha. Lá dormiram, protegidos da chuva, mas não do vento frio e enregelante. 
Se alguma expedição de resgate andou pela periferia de onde estavam, a ninguém encontrou; os índios souberam valer-se de artimanhas, próprias de quem conhece a região de matos, para despistá-los. Após a chuva continuaram caminhando e sempre em direção ao alto. Caminharam o dia inteiro e ao anoitecer chegaram a uma grande Taba, com inúmeras choças ao redor de uma grande construção, ao centro. Haviam chegado à morada dos caingangues, a sua aldeia, local depois chamado de “Campo dos Bugres”, origem remota da cidade de Caxias do Sul.
Importante dizer que duas expedições de socorro foram formadas; a primeira com colonos vizinhos e a segunda já com militares que vieram de São Leopoldo. As equipes de resgate andaram pela densa floresta; encontraram os vestígios deixados por Valfrida, mas em nenhum momento chegaram a encontrar e prender algum bugre, que pudesse oferecer algum caminho a seguir. As expedições resultaram infrutíferas. Depois de algum tempo, na ausência de notícias, Lamperto deixou de ter esperanças e vendeu sua propriedade, a um preço bastante baixo.
Na próxima coluna, ao encerrar a história, declinarei as fontes de pesquisa e apoio.

Fonte: Facebook e Coluna no Jornal Progresso de 8 de dezembro de 2017.

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